Segundo uma pesquisa aí…

Texto original: “Selon une étude à la con…”

Autor: Alexandre Coste, revista Marianne

Original publicado em 3 de setembro de 2013

Mel Evans/AP/SIPA

Diante da proliferação de pesquisas científicas que são cada vez mais divulgadas na mídia, pode se tornar difícil separar o joio do trigo. A cada dia, encontramos novas propriedades da cerveja, do vinho, do sexo, da risada, do café, do cigarro, do chá e ainda da meditação. A cada dia, nos divertimos com as diferenças entre homens e mulheres, destros e canhotos, os quais travam inocentes combates biológicos.

Essas pesquisas, que chamo de “pesquisas aí”, são muito bem definidas no site adriensaumier.fr: “São ‘estudos americanos’ de uma universidade desconhecida. Esses estudos permitem que a gente crie um grande título bem divertido para um artigo que vai render cliques”. Uma pitada de cinismo, mas nada mais verdadeiro. Essa categoria de artigos resume bem o desvio da imprensa digital: tudo está no título, o mais difícil é criar um artigo em cima que possa acompanhá-lo.

Os portais de informação como Google ou Yahoo Notícias reservam um espaço diário a esses resultados de pesquisas que divertem os internautas. O fenômeno se tornou tão onipresente na internet que alguns Tumblr agregam esses estudos e suas conclusões tão bobas que chega a confundir.

Tomemos por exemplo, por acaso, o esperma, e vejamos o que os estudos desses últimos anos nos ensinaram sobre o assunto:

– ele favoriza o bem-estar mental das mulheres

– ele age como antidepressivo

– seu gosto varia de acordo com a alimentação do homem

– ele freia o envelhecimento das células

– quanto mais o homem vê televisão, menos ele produz

– os homens de voz grave são menos férteis

– o estresse e a ansiedade têm um efeito negativo sobre a qualidade do esperma

– o esperma, quando engolido, permite a redução de 40% de riscos de câncer dos seios

– é conhecido como queimador de gorduras

Ou seja, esperma e bicarbonato, mesma luta! Logo, logo vão nos dizer que ele ajuda a clarear os dentes, reduzir os efeitos das dores crônicas, que a gente pode limpar o banheiro com ele… aos céticos: não se preocupem, cada efeito é cientificamente provado!

A fórmula mágica já é conhecida. O leitor normal não acha necessário ir mais longe. Ele acabou de receber uma informação que vai fazer sucesso em um tweet engraçadinho, que ele vai enviar a seus “seguidores”. Os quais vão responder com um sonoro “kkkkk”, antes de compartilhar o artigo. O processo será o mesmo no Facebook, no entanto com uma intimidade propícia a comentários um pouco mais sólidos: geralmente piadinhas maliciosas acompanhadas com uma piscadinha (ou ;)) aprovador.

No caso de um estudo que fala bem da cerveja ou do vinho, por exemplo “beber vinho permite viver mais tempo”, os comentários vão mencionar lembranças de uma festa com alguns dos contatos, ou aprovar com um “então tudo bem, vou viver pelo menos uns 300 anos kkkkk” o fato de que o internauta que divulgou o artigo toma umas regularmente. O que é sempre bem visto, socialmente falando.

O macaco velho, no entanto, esse a quem não se ensina mais a fazer cambalhotas, vai tomar um tempinho pra clicar no link que aparece às vezes sobre a palavra “pesquisa” na frase que começa com “Segundo uma pesquisa…”, isso no caso do jornalista em poder da metralhadora de textos ter feito corretamente seu trabalho. Esse link enviará o leitor ao site da universidade, apresentando o protocolo experimental da dita pesquisa, o que permite redimensionar enormes e exageradas verdades à suas justas proporções.

Por exemplo, uma pesquisa amplamente divulgada na internet no mês de fevereiro anunciava que “sim, as mulheres são mais tagarelas que os homens.” Para que se chegasse a essa conclusão, corpos de crianças de 4 a 5 anos falecidas em um acidente foram analisados. Assim, observou-se que as meninas possuíam 30% mais de proteínas FOXP2, as quais parecem desempenhar um papel importante na transmissão da linguagem. Fuçando um pouquinho, descobre-se a quantidade de sujeitos usados  nessa pesquisa: somente 10! Cinco de sexo masculino e cinco de sexo feminino. É meio pouco pra que os resultados possam ser extrapolados a todo o planeta… Além do mais, a dimensão social é completamente ignorada em nome de uma análise estritamente biológica.

Os sites de informação participam assim à divulgação de contra-verdades ou, no mínimo, de conclusões extrapoladas com o único objetivo de maximizar a audiência. E isso está longe de ser sua função mais importante. Mas a gente também pode considerar que os leitores são ávidos desse tipo de artigos e que a oferta corresponde à demanda. De fato, é possível imaginar que essas pesquisas substituem hoje a função do horóscopo de ontem. Outros tempos, outros modos, as pipetas de avental branco substituíram as estrelas e seus alinhamentos. Mas a voracidade com que os leitores se jogam sobre esses artigos é proporcional à sua vontade de acreditar no que lêem.

Tradução: letranslator.wordpress.com

3 thoughts on “Segundo uma pesquisa aí…

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